terça-feira, 12 de outubro de 2010

A reação proporcional

Abaixo, segue a reprodução de uma parte da nota do PT de João Pessoa, assinada por seu presidente Antônio Barbosa, em resposta às questionáveis declarações de D. Aldo Pagotto via youtube, as quais eu já havia comentado em uma das minhas postagens. Reproduzo a parte da nota com a qual concordo em gênero, número e grau. Quem quiser lê-la por inteiro, é só navegar e achar!

Reproduzo a parte inicial porque ela, apesar de seu tom forte, explicita de maneira extremamente correta e coerente o papel cumprido pelo Arcebispo da Paraíba na vida política estadual.

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Quando o pastor vira lobo

Uma figura pública não deve se esconder atrás de seus títulos, bem como não deve confundir a fronteira que marca o fim de sua autoridade. Imperdoável também, da parte de uma figura pública que deseja angariar o respeito da sociedade, é uma conduta oportunista e leviana, cuja finalidade eleitoreira mal-dissimulada beira já o terrorismo político.

O senhor Aldo Pagotto, este infeliz representante oficial da nossa Igreja Católica, na nossa querida Paraíba, encarna, na verdade, e, desgraçadamente, o arquétipo da figura pública transviada e que, por suas repetidas e infantis provocações, acaba por tornar-se molesta para a paz social:

I. O senhor Aldo Pagotto se esconde atrás de seu título de bispo para fazer política para as forças mais reacionárias e retrógradas da Paraíba e do Brasil;

II. O senhor Aldo Pagotto excede sua autoridade de líder religioso para imiscuir-se em temas de elevada complexidade cultural, social e política, banalizando, assim, debates que de forma alguma podem ser simplificados em categorias estanques e auto-excludentes, tal qual existisse aqui o mocinho e ali o bandido;

III. O senhor Aldo Pagotto faz suas escolhas políticas e as defende publicamente, porém deturpando-as num discurso pseudo-religioso e eivado de preconceitos sociais.


(...)

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A nota, a partir daí, depois de declarar apoio em Dilma e Ricardo e de defender seus parlamentares da bancada religiosa, Frei Anastácio e Padre Luiz Couto, acaba se complicando, pois emprega argumentos que combate para ferir a candidatura tucana (o que tem a ver se FHC é ou deixa de ser ateu...?). O senhor Antônio Barbosa, nesse ponto, mete os pés pelas mãos na ânsia de se afirmar católico.

É, meu amigo e minha amiga, quem fala o que quer acaba lendo o que não quer...

A íntegra da nota está em:

Já disse antes e vou repretir: D. Aldo, refaz suas malas e volta para São Paulo....!!

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

A volta do que não fui...!

De volta com as postagens, depois de uma pausa de quase seis meses...! Não que as idéias tenham minguado, o buraco é mais embaixo... Mas consegui defender minha dissertação, aos poucos venho voltando do autoexílio junto aos amigos e amigas, e estou conseguindo resolver uma série de questões de trabalho. As coisas estão mais tranquilas, sobra tempo pra expor opiniões que não sejam em mesa de bar pelas noites lúdicas de João Pessoa, cada vez menos frequentes para mim. Há braços, já diria Adeildo, e espero que, dessa vez, com maior assiduidade!

domingo, 10 de outubro de 2010

Oportunismo eleitoral, aborto e intolerância religiosa


O grau de oportunismo político da grande mídia e de setores conservadores da sociedade, nesse segundo turno das eleições - oportunismo já detectado durante o primeiro turno - preocupam-me e, ao mesmo tempo, deixam-me indignado.

Para limpar o meio de campo, é importante salientar uma diferença básica que, por oportunismo ou desconhecimento, acaba misturando duas coisas bem diferentes: legalização e descriminalização.

O aborto no Brasil é crime, não punível apenas em casos específicos de estupro e de risco de vida para a mãe. Caso uma mulher aborte e não se enquadre em nenhum desses dois casos, ela pode ser presa e pegar de 1 a 3 anos de prisão.

A discussão sobre a descriminalização não pretende legalizar a prática do aborto, comumente praticada em nosso país de forma precária e perigosa, em casas, em clínicas clandestinas, acarretando graves riscos à vida da mulher.

A discussão sobre a descriminalização busca tratar da questão do aborto não como um caso de polícia, mas como um problema de saúde pública. Não é uma discussão contra a vida, muito pelo contrário: é uma discussão que pretende tratar um problema histórico e real existente em nossa sociedade, que é cotidianamente deixado de lado porque não traz voto.

Nenhuma pessoa em sã consciência defende a banalização da prática do aborto, extremamente violenta e traumática para a mulher. Mas prender mulheres, geralmente sem garantias de direitos sociais concretos (à saúde, à educação, à qualidade de vida), as quais vivem em condições precárias e de maneira marginalizada, por tomarem essa opção tão traumática, é uma alternativa perversa.

Aí nos deparamos com uma série de pessoas, defensoras da vida (curiosamente, muitas dessas pessoas - nem todas, é verdade - também acreditam que "bandido bom é bandido morto"), que não fazem nenhum esforço para compreender a problemática em sua profundidade: em suas raízes socioeconômicas, e que acabam por "comprar gato por lebre". Afirmo: esse não é um problema meramente moral e ético; pelo contrário, ele perpassa questões complexas que envolvem a raiz de nossa sociedade extremamente desigual.

Muito se fala que a Dilma defendia o aborto, e que mudou sua opinião para não perder votos. Os mais atentos e cuidadosos, os que não "compram gato por lebre" e desconfiam daquilo que a partidária e conservadora grande mídia brasileira escreve e diz em defesa do PSDB e seu projeto neoliberal, podem procurar, e verão que sua declaração não fala em legalização, mas em descriminalizar a prática - isso em 2007.

Eu concordo com a descriminalização, e tenho absoluta convicção de que uma mulher não pode ser tratada como criminosa por optar em fazer um aborto. Também sei que, ao decidir por tal alternativa, ela provavelmente ampara-se em fortes razões, e não fará tal procedimento feliz e alegre, tranquila, com um sorriso no rosto: ela sofrerá muito.

E o Estado tem muita responsabilidade nisso: por não garantir políticas públicas de saúde eficazes, por fornecer uma educação básica extremamente deficitária (todos conhecem a realidade do ensino público básico - infantil, fundamental e médio - em nosso país), por realizar campanhas educativas insuficientes ou ineficientes, entre outras questões. Onde está a disciplina Educação Sexual nas escolas? Muitos pais, que inclusive fecham os olhos à questão do aborto, evitam educar os filhos sobre o sexo seguro. Isso, aos meus olhos, surge como uma grandessíssima hipocrisia.

Tais campanhas, referentes ao uso da camisinha, da pílula do dia seguinte, entre outros métodos contraceptivos, são duramente criticadas por conservadores e alguns religiosos, alheios às experiências modernas da sociedade e ao devir da história. Desculpem-me, mas crime é proibir o uso da camisinha, como faz a Igreja Católica e tantas outras Brasil afora, por fé cega, em tempos de AIDS e outras gravíssimas DSTs.

Para entornar o caldo de vez, aparece-me o "ilustríssimo" D. Aldo Pagotto, que nos quer fazer acreditar que realmente defende que a Igreja deve se apartar das questões políticas (mas que claramente fez campanha para o PSDB de Cássio e, agora, para Serra), dizer na Internet, em depoimento gravado e divulgado via Youtube, que existe uma "cultura de morte" no Brasil desde a década de 1980 - que teria encontrado no PT e no movimento feminista seu principal suporte. O cara vem utilizando aquele velho discurso do medo, afirmando que Dilma, caso eleita, vai legalizar o aborto no Brasil.

Triste daquele que compra gato por lebre.

Dom Aldo deveria se preocupar mais com suas próprias atribuições na Arquidiocese, cuidar dos seus fiéis e deixar de fazer política rasteira, utilizando a fé das pessoas tal qual um legítimo cabo eleitoral do tucanato brasileiro. As calúnias e difamações de caráter religioso já estão desviando demais o real debate político na atualidade, não precisamos de mais essa. Assim como as pastorais católicas da Paraíba, sinto falta dos tempos da coerência de D. Marcelo Carvalheira à frente da Arquidiocese Metropolitana, e acho que já passou da hora de D. Aldo fazer suas malas e voltar para São Paulo.

Assim como não precisamos de pessoas guiando seu pensamento e o seu voto baseado em preconceitos de cunho religioso que beiram o absurdo. Nessa campanha, o tema do aborto se mistura com as calúnias que vêm do desespero: denúncias e falsas acusações de satanismo e de candidatos que, caso eleitos, destruiriam templos religiosos Paraíba e Brasil afora - tudo registrado em panfletos apócrifos e nas caixas de e-mail de tantos eleitores. O candidato do PSB ao Governo da Paraíba que o diga: andam dizendo que as belas estátuas que decoram os canteiros da cidade fazem referência a satanás... uma piada de mal gosto que a intolerância de algumas pessoas acaba comprando.

Tudo isso me preocupa como educador e historiador. E me vem à cabeça que, se temos direitos civis e políticos, conquistados após muita luta e sangue derramado através de nossa história, que os valorizemos! Precisamos aprender a lhes dar o devido valor, para que não cometamos os mesmos erros do passado.

Combatamos a intolerância religiosa e a cegueira política, que tanto atrasam a vida de muita gente.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Relatórios apontam problemas em escolas públicas

[Carteiras amontoadas no "pátio" da EMEF Duarte da Silveira (na verdade, é um corredor, pois a escola não possui pátio nenhum de tão pequena que é).]

Direto do sítio eletrônico do Ministério Público Estadual...

Seg, 12 de Abril de 2010 13:56


Promotoria da Educação fará inspeção em unidades mais críticas

Falta de professores, merenda mal armazenada, prédio com cupins, problemas nas instalações hidráulicas e elétricas, carteiras e cadeiras danificadas, ausência de refeitório, banheiros quebrados e falta de acessibilidade e de segurança. Esses são alguns dos problemas identificados em escolas de ensino fundamental e infantil da rede pública da Capital pelos conselheiros tutelares da Região Sudeste e Mangabeira.

Na última sexta-feira (9), os membros dos dois Conselhos Tutelares apresentaram ao Ministério Público da Paraíba o primeiro relatório sobre a situação de 40 escolas da rede estadual e municipal de ensino, localizadas em suas respectivas áreas de abrangência. A Promotoria de Justiça de Defesa da Educação vai inspecionar as três unidades de ensino que apresentaram a pior situação: o Centro de Referência de Educação Infantil (Crei) Dom Marcelo, a escola estadual Poetisa Violeta Formiga e a escola municipal Duarte da Silveira.

Das 20 unidades de ensino visitadas pelo Conselho Tutelar Mangabeira, nesta primeira etapa, a que apresentou situação mais grave foi o Crei Dom Marcelo, localizado na Comunidade Paratibe, no bairro Valentina Figueiredo. Lá, as crianças não dispõem de área de lazer e recreação, os colchões ficam espalhados pelos corredores porque não há almoxarifado, o espaço físico é precário e a ventilação é inadequada. De acordo com os conselheiros, o Crei funciona no prédio anexo à escola municipal de educação fundamental Dom Marcelo (que também apresenta problemas em relação à falta de professor de educação física e à acústica do prédio, o que atrapalha o processo ensino-aprendizagem).

Cupins e falta de professores

Já o relatório das 20 escolas fiscalizadas, na primeira etapa, pelo Conselho Tutelar Sudeste revela que a situação é mais alarmante na Escola Estadual Poetisa Violeta Formiga, localizada no Conjunto Costa e Silva, e na escola municipal Duarte da Silveira, localizada no bairro Ernani Sátyro.

Segundo a presidente do Conselho, Sandra Rodrigues Lima, a escola estadual Violeta Formiga apresenta péssimas condições físicas: o prédio está infestado de cupins, a quadra encoberta com mato, as janelas estão quebradas e há vazamentos no telhado. Os cerca de 70 alunos matriculados não recebem alimentação escolar porque o botijão de gás de cozinha da escola foi furtado. Além disso, a cozinha não oferece as condições mínimas necessárias para preparar as refeições. A merenda prática (lanches, biscoitos e sucos) também é mal acondicionada. “Em 2007, já havíamos feito uma fiscalização nesta escola a pedido da comunidade e os problemas constatados foram os mesmos. Solicitamos à Secretaria de Educação do Estado que tomasse providências, mas nada foi feito”, criticou Sandra.

Já na escola municipal Duarte da Silveira (onde estão matriculados 477 alunos), faltam monitor de informática e professores de inglês, geografia e educação física. A escola apresenta problemas estruturais como insuficiência de bebedouros e infiltrações no telhado. Não há quadra de esporte, biblioteca e sala de informática. Os computadores estão guardados em uma sala e as carteiras quebradas estão amontoadas no meio do pátio, colocando em risco a segurança dos alunos.

[Essa cozinha, eu não consegui identificar a qual das unidades de ensino visitadas pelos conselheiros tutelares ela pertence.]


Notificação

A promotora de Justiça da Educação Fabiana Lobo vai encaminhar ofícios às Secretarias de Educação de João Pessoa e do Estado para que os órgãos se pronunciem sobre a situação das escolas visitadas pelos dois Conselhos Tutelares e providenciem a solução dos problemas identificados em cada uma das 40 unidades de ensino.

Os Conselhos Tutelares Norte e Sul também já encaminharam os relatórios sobre a situação das escolas públicas localizadas em suas áreas de abrangência. Os relatórios serão discutidos com a promotora da Educação nesta quarta e quinta-feiras (14 e 15). Apenas o Conselho Tutelar Praia ainda não encaminhou o relatório sobre as inspeções que deveriam ser feitas nas unidades públicas de ensino localizadas na região. Nesta terça-feira (13), às 9h, será realizada audiência com os conselheiros para saber os motivos do não envio do relatório.

Parceria

A parceria do MPPB com os cinco conselhos tutelares de João Pessoa faz parte do Programa de Fiscalização da Educação Básica coordenado pela Promotoria de Justiça de Defesa da Educação da Capital. O programa tem como objetivo averiguar a qualidade de ensino oferecido na rede pública estadual e municipal em três aspectos: infraestrutura dos prédios, alimentação escolar e processo ensino-aprendizado. Até o final de junho, todas as escolas públicas localizadas na Capital serão fiscalizadas pelos Conselhos Tutelares, que deverão elaborar e encaminhar relatórios sobre a situação encontrada nas unidades de ensino ao MPPB.

Fonte:


O que eu acho?

Os grifos em negrito e os comentários entre colchetes sobre as fotos da matéria são meus, pois a escola em questão se trata de uma unidade muito bem querida por mim, pois nela sou professor desde fevereiro de 2009. Infelizmente, todas as informações são reais, e responsabilizo plenamente a SEDEC e a Prefeitura Municipal de João Pessoa por esse descaso. Não foi por falta de aviso dos professores, da equipe gestora da escola e da própria comunidade: a Secretaria de Educação do município conhece SIM a nossa situação, mas não fez absolutamente NADA de concreto, nesses 15 meses em que acompanho aquela realidade, para modificar esse triste quadro. Em alguns dias pretendo abordar a situação da educação no município a partir da minha experiência específica na Duarte da Silveira: não vai demorar muito para que esse novo post saia - assim espero.

domingo, 11 de abril de 2010

Apontamentos sobre a CONAE 2010 e sua etapa municipal em João Pessoa


Ocorreu durante os dias 28 de março e o dia 1º de abril a Conferência Nacional de Educação, ou CONAE 2010. Durante cinco dias diversos delegados de todos os estados da federação estiveram reunidos em Brasília para discutir os rumos da educação brasileira durante os próximos dez anos.

Uma discussão consultiva, importante relembrar. Pois apesar de seus delegados terem sido eleitos a partir de etapas municipais e estaduais, as políticas apontadas na Plenária Final da CONAE não possuem força de lei, mas constituem rico material a ser analisado pelo MEC e pelo Governo Federal na construção de políticas de Estado no setor da educação. A sociedade civil organizada possui, pois, a oportunidade de discutir e deliberar sobre importantes questões em um espaço construído e reconhecido tanto por seus representantes como pelos governos em suas variadas esferas. Mas a disputa política é enorme, pois é de interesse da chamada sociedade política (partidos e governo) aprovar suas próprias concepções, e muitas vezes os delegados escolhidos possuem um grande nível de comprometimento com as gestões governamentais - e ficaria feio na foto para eles, convenhamos, se a maioria das propostas aprovadas em uma conferência como essa fossem contrárias às diretrizes governamentais - por isso os integrantes das gestões procuram sempre obter maioria nas delegações. Isso é natural no modelo de conferências temáticas adotadas pelo Governo Lula, mas é algo que precisa ser bem observado pelos setores da sociedade civil que não se enquadram ou não queiram se enquadrar pela lógica do executivo e das correntes políticas majoritárias.

Papel do Estado na garantia do direito à educação de qualidade, gestão democrática e avaliação, democratização do acesso e permanência na escola, valorização e formação dos trabalhadores em educação, financiamento e controle social, justiça social e inclusão social: esses foram os eixos temáticos que nortearam as discussões nas etapas municipais e estaduais. Tive a oportunidade de participar dos debates na Conferência Municipal de João Pessoa, realizada ainda em 2009, precisamente em uma terça-feira, dia 28 de abril, no CECAPRO (Centro de Capacitação de Professores da PMJP) da Epitácio Pessoa. Infelizmente, em nossa cidade, a conferência foi marcada por uma gigantesca desorganização, que prejudicou o espaço com atrasos e uma convocação feita às pressas, com bem menos que duas semanas de antecedência - o que contribuiu para a desvalorização de um espaço com tanta importância e potencial. A escolha dos delegados foi inclusive postergada para outro momento, para o dia 15 de maio, no auditório do CAM (Centro Administrativo Municipal), por iniciativa dos próprios participantes durante o dia 28/04 que avaliaram a precariedade do espaço e a necessidade de um maior acúmulo nas discussões - o que demonstra bem a forma como a educação pública é costumeiramente tratada: no improviso.

Ainda assim, com todos os percalços de nossa etapa municipal e da falta de representatividade decorrente de sua desorganização e improviso, acredito que a conferência nacional em Brasília tenha sido um espaço legítimo de acúmulo de forças por parte dos movimentos sociais, professores e estudantes. Infelizmente, assim como em João Pessoa, os movimentos sociais e a sociedade civil não tiveram sua voz representada nos espaços de abertura, pois apenas falaram os representantes da SEDEC e vereadores, no caso do município, e do Governo Federal, no caso da CONAE, presentes nas mesas. E em Brasília, o primeiro momento da conferência também foi marcado por uma manifestação de professores, estudantes e funcionários em greve da UNB, lembrando aos delegados participantes a necessidade de uma postura progressista e reivindicatória em suas proposições naquela instância de discussão avalizada pelo Estado.

A questão da constituição de um sistema nacional (articulado) de educação foi o tema principal da conferência, o que é um avanço tremendo em relação à divisão de responsabilidades rasa apontada na LDB de 1996, favorecedora de abstenções das diferentes esferas do executivo, ora na educação básica (fundamental e médio) e infantil, ora no ensino superior. Algumas das deliberações das plenárias da CONAE me chamaram atenção, tais como:

1. O gasto direto da educação em relação ao PIB deverá alcançar, no mínimo, 7% em 2011 e 10% em 2014.

2. Aumento do percentual mínimo de recursos vinculados para a educação. A União vinculará 25% e os Estados e Municípios com 30%. Esta vinculação será de impostos, taxas e contribuições.

3. O ensino superior deve alcançar a meta de 40% de vagas públicas no total das vagas oferecidas, respeitando-se ainda cotas para minorias sociais.

4. Aplicação de verbas públicas somente exclusivamente nas instituições públicas


A maior parte das propostas acima apontadas envolvem questões de financiamento, um problema central em minha opinião. Pois questões de gestão e qualificação profissional apenas podem ser superadas quando, aos profissionais de educação, são garantidos condições materiais e estímulo adequado. Mesmo que a velha afirmação, sobre o problema da educação no Brasil passar pela má remuneração de professores e outros profissionais do setor e pelo sucateamento das instituições e da conseqüente falta de infra-estrutura adequada, tenha se tornado quase um clichê, ela ainda é verdadeira. Os grandes problemas educacionais passam pela valorização de seus profissionais, valorização que estimula a qualificação e dedicação ao ofício por essas pessoas. Pois podemos de fato ver a educação como uma “vocação”, trabalhando com boa vontade e profundo desejo de mudança, mas tem uma hora que a falta de reconhecimento por um trabalho importante e árduo como o de educador cansa, podendo conduzir à frustração e ao desestímulo profissional, ao comodismo.

Enfim, as propostas aprovadas pelos delegados da CONAE 2010 foram boas de forma geral, mas ainda é preciso que nós, que não participamos diretamente de sua etapa principal, nos aprofundemos e conheçamos o conjunto de suas deliberações. E cabe lembrar que nada disso é projeto de lei: são apenas propostas aos vários níveis de governo e chefes de executivo. Mas agora a sociedade civil possui um documento de referência importante, legitimado por ter sido aprovado em um espaço reconhecido pela oficialidade. Vamos ver agora os desdobramentos pós-eleitorais e se tais deliberações se concretizam como políticas de Estado, devendo ser respeitadas por todos os governos até a realização de uma próxima Conferência Nacional.

quarta-feira, 24 de março de 2010

Zumbilândia (2009)



Estreando o espaço de resenhas de filmes e documentários...

Em meio a uma grande quantidade de gêneros cinematográficos existentes pelo mundo afora, um se destaca aos meus olhos, sempre despertando curiosidade e paixões. Os filmes de zumbis. Mas nem sempre foi assim: algumas películas trashs da década de oitenta (quem nunca assistiu um deles nas sessões vespertinas de filmes do SBT – sobre a “volta dos mortos-vivos”, ou no Cine Trash da Bandeirantes apresentado pelo Zé do Caixão, ou no Corujão da Globo?) não honram as idéias e intenções dos verdadeiros clássicos, mesmo nos dando alguns sustos.

Não seria exagero elevar à condição de gênero cinematográfico alguns filmes de terror com uma temática tão específica? Penso que não, mas esse assunto ficará guardado para outra hora. Para o momento, basta nos lembrar de um filme obscuro, feito com baixo orçamento em 1968 que foi o marco inicial desse gênero. Filmado em preto-e-branco de forma independente, Night of the Living Dead foi escrito, roteirizado e dirigido por George A. Romero, e marcou definitivamente a história dos filmes de terror tanto quanto – arrisco dizer – as películas de Alfred Hitchcock.

Pôster original de Night of the Living Dead (1968), o precursor do Gênero de Zumbis na 7ª arte


Em sua trilogia clássica sobre zumbis (Night of the Living Dead, Dawn of the Dead e Day of the Dead), Romero utiliza o contexto de uma catástrofe não-explicada, uma infestação de zumbis que levou os mortos a se levantarem e a atacarem os vivos de forma completamente irracional, para trabalhar questões da mente e do comportamento humano, tanto no plano individual como no plano coletivo.

Como agiriam as pessoas em situações de pressão como essa? Será que os instintos básicos de sobrevivência tendem a se sobrepor à solidariedade humana? Até que ponto nossos comportamentos consumistas guiam nossas ações? Romero sempre utilizou os zumbis como pretexto para analisar seus personagens extremamente humanizados, com todos os seus defeitos e virtudes.

Zumbilândia (2009), recentemente em cartaz nos cinemas brasileiros, é um filme que segue a tradição do gênero iniciado por Romero. Dirigido com Ruben Fleischer e roteirizado por Rhett Reese e Paul Wernick, possui fortes elementos de comédia que, na minha visão, servem para atingir dois principais objetivos: para ressaltar a idéia de carpe diem sempre presente, e para atenuar a carga dramática existente – que se nós paramos pra pensar, é grande, e só se evidencia em algumas situações específicas onde os protagonistas fraquejam e se despem de suas cascas protetoras.

Por exemplo, o fato de eles buscarem não se envolver inicialmente uns com os outros, não revelando seus nomes e se tratando simplesmente por seus lugares de origem, de forma alguma é um objetivo que se concretiza. Columbus, o jovem e recluso nerd sem nenhuma base estrutural familiar; Tallahassee, o parceiro durão; Little Rock e Wichita, as irmãs órfãs sobreviventes; todos eles quebram as barreiras protetoras auto-impostas em momentos de beleza singular – seja em rodas de conversas noturnas ou em momentos onde a raiva é extravasada pelo quebra-quebra de tudo que aparece na frente.

Columbus (agachado) e Tallahassee (com o taco) confraternizando em uma loja de conveniências


Assim eu percebi Zumbilândia: como um elogio à vida apesar das adversidades. Existem outros ideais incutidos, lógico, pois o filme não deixa de ser uma produção hollywoodiana e a realidade retratada é o mundo do american way of life, mas a essência é essa: aproveitar a vida, sobre todas as diversidades. Mas sem se limitar a cuidar do seu próprio jardim, conforme a conclusão individualista do pobre e ex-otimista Cândido, de Voltaire; o carpe diem só tem sentido para os personagens do filme quando seus dias são vividos entre iguais.

Quem tem medo de palhaços? Columbus tem...


O filme, além do Woody Harrelson no papel de Tallahassee, ainda conta com uma participação marcante do genial ator e comediante Bill Murray (A vida marinha com Steve Zissou - 2004, Encontros e Desencontros - 2003, Os caça-fantasmas - 1984) no papel dele mesmo. Recomendo o filme, para ser assistido de forma bem despretensiosa em um fim-de-semana tranquilo. Entretém e ainda dá o que pensar, caso você esteja disposto a fazê-lo, vendo o filme com olhos simpáticos e sem preconceitos.

E para terminar, vejam só o zombie kill of the week (do filme, é claro...!)


terça-feira, 23 de março de 2010

Punidos e impunes da Lei da Anistia por Carlos Latuff




A força da imagem traduz idéias de forma que um discurso inteiro, às vezes, não é capaz de expressar.

A charge do cartunista Carlos Latuff trata muito bem sobre os termos da anistia ampla, geral e irrestrita brasileira. E quando entram em pauta discussões sobre sua revisão, falando-se em punição não apenas dos torturadores, mas também dos militantes de esquerda por crimes políticos cometidos, surgem as perguntas que não querem calar: quem já foi punido? E quem ainda precisa ser?


Um panfleto ideológico não tão fundamental

Chamou minha atenção o título de um texto em coluna de opinião de um grande portal de notícias paraibano (todos os links estão no final da postagem). Intitulado "Um livro histórico fundamental", o texto de Ipojuca Pontes parecia ser uma leitura instigante, e de fato o foi, mas de uma forma que eu sinceramente não esperava.

O “livro histórico fundamental” em questão trata-se do Ovril (o vocábulo Livro escrito ao contrário – esse era o nome-código do projeto) um panfletário dossiê produzido por uma comissão de militares na segunda metade da década de 1980, sob as ordens do General do exército brasileiro Leônidas Pires Gonçalves. Seus poucos exemplares, produzidos após aproximadamente três anos de levantamentos feitos pelos militares em seus próprios arquivos e documentos secretos, seriam uma resposta ao projeto coordenado pela Arquidiocese de São Paulo e por D. Paulo Evaristo Arns, que deu origem à obra-denúncia intitulada Brasil: Nunca Mais, e tiveram sua publicação vetada pelo mesmo general, já nomeado ministro do Exército do governo Sarney. A lógica seria que sua publicação traria problemas em uma conjuntura onde ocorria o processo de reabertura democrática no país, pois impediria a cicatrização das recentes feridas políticas e sociais. Esta fora a mesma lógica que motivou o advogado, deputado pelo PSB e militante das Ligas Camponesas Francisco Julião, cujo livro Cambão: a face oculta do Brasil, mesmo finalizado em 1968 e publicado em vários países, apenas ano passado (2009) ganhou sua primeira edição nacional.

Deparei-me com uma fonte valiosa de pesquisa histórica a narrar a visão da instituição militar brasileira sobre boa parte do século XX no Brasil, mas nem de longe chego a cometer a imprudência de tratar tal obra, também chamada de As Tentativas de Tomada do Poder ou O Livro Negro do Terrorismo no Brasil, como “uma obra essencial”, como uma das mais importantes e “impressionantes obras nacionais”, nas palavras do próprio Ipojuca Pontes. O texto elogioso prossegue, qualificando o Ovril como: “documento extraordinário a se constituir em leitura obrigatória para quem, de modo abrangente, pretende conhecer a verdadeira história da subversão comunista no Brasil”.

De fato, é um documento histórico relevante aos historiadores que pretendam abordar o período de 21 anos da história brasileira marcado pela Ditadura Militar, pois retrata de que modo a política de segurança nacional enxergava os acontecimentos, os movimentos sociais e instituições da sociedade civil de forma geral. Nele, podemos ver até que ponto a paranóia anticomunista foi utilizada como justificativa para uma “revolução” preventiva, iniciada em 1º de abril de 1964, que visava desarticular os focos militantes de esquerda e demais comunistas “infiltrados” em território tupiniquim, os quais estariam preparando uma guerra revolucionária em solo brasileiro. Mas tal livro, ou melhor, Ovril, não passa disso: uma fonte histórica relevante que traduz o pensamento da instituição que durante duas décadas comandou o Brasil utilizando, para isso, um diversificado aparato de repressão policial e militar, valendo-se de torturas e assassinatos – muitos dos quais até hoje se encontram abafados, envoltos em uma misteriosa cortina de fumaça que ainda paira defronte à vista das famílias de pessoas desaparecidas durante os anos de chumbo.

Ao ler o texto de Ipojuca, imaginei o tremendo problema de se comparar verdadeiras obras das ciências sociais brasileiras com o panfleto militar de mais de 950 folhas datilografadas divididas em dois volumes: reduzir Casa Grande e Senzala, Formação do Brasil Contemporâneo, Raízes do Brasil, Rubro Veio entre outros trabalhos clássicos para a compreensão da história e da sociedade brasileira, ao nível do panfleto ideológico e conservador intitulado Ovril me parece algo impensável e que carece de coerência com o rigor exigido pelas ciências humanas na produção de conhecimento. Gilberto Freyre, Caio Prado Júnior e Sergio Buarque de Holanda, os autores das três primeiras obras supracitadas, devem ter se revirado em seus túmulos.

Pois na faculdade de história aprendemos que um trabalho histórico deve sempre buscar a inalcançável imparcialidade, e o pesquisador deve ter compromisso com a verdade – ainda que reconheça que sua produção será mais uma versão, entre tantas, daquilo que ocorreu. Mas o valor de sua contribuição reside na interpretação que poderá dar aos fatos de acordo com os problemas por ele propostos, o que nos ajuda a entender melhor o processo de construção humana. Esse é o comprometimento de um pesquisador preocupado com a verdade e com a viabilidade da construção de um método de análise conseqüente com o objetivo de melhor compreensão da realidade. Nesse sentido, o Ovril não passa no teste, pois, como comprovei com meus próprios olhos, é apenas um panfleto. O Ovril poderia ainda ter algum valor literário ou formal, mas isso não ocorre: sua leitura é seca, concisa e direta, como pode vir a ser a disciplina em tais instituições.

O Ovril também desrespeita os inúmeros sujeitos históricos da época da Ditadura Militar, entre estudantes, camponeses e sindicalistas. Ao alimentar a paranóia anticomunista como forma de justificar as ações dos militares, desde o Golpe de 1964 até o infame AI-5, suas páginas retratam tais sujeitos – em especial os estudantes – como massa de manobra dos PCs (partidos comunistas) da URSS, de Cuba, e da China. Fidel Castro, Mao Tsé-Tung, Che Guevara, Khrushchov e Brejnev parecem ser agentes mais importantes do que os próprios brasileiros e seus movimentos sociais em sua busca pela ampliação da participação política e o acesso a direitos sociais. Se a influência do das idéias socialistas e do comunismo pelo mundo afora é um fato que não pode ser ignorado na história do Breve Século XX, parafraseando o historiador britânico Eric J. Hobsbawm, dentro do contexto da Guerra Fria que cindiu o mundo em dois lados distintos por décadas; tal constatação não pode servir de desculpa para os desavisados ignorarem a atuação e a tomada autônoma de decisões por aqueles que naquela época (e até hoje) buscam concretizar melhorias sociais. Tratar tantos estudantes e camponeses como mera massa de manobra das vanguardas dos "comunistas infiltrados" no Brasil, deixando de lado sua identidade e condição de sujeitos políticos, pode ser percebido como uma cegueira proposital.

Ipojuca foi Secretário Nacional de Cultura do governo de Fernando Collor entre 1990 e 1991; é escritor e autor de alguns filmes (como Os homens do caranguejo, de 1968, e Canudos, de 1976) e peças de teatro, mas infelizmente não conheço sua produção – o que pretendo fazer logo que minha rotina de professor-estudante se acalme e me folgue o tempo corrido. Mas seu texto-panfleto me permitiu conhecer melhor essa versão dos fatos históricos brasileiros através de uma fonte inédita para mim, e por isso eu o agradeço. Mas é impossível não trazer à tona todos os caminhos equivocados aos quais a sua opinião conservadora pode nos conduzir. Sua opinião leva a uma conclusão precisa: o resgate da verdade sobre o passado (que estaria com os militares) para justificar críticas recentes ao chamado “revanchismo político” da esquerda, que sempre aspirou à punição dos torturadores e à democratização das informações ocultadas: da abertura dos arquivos à localização dos corpos de desaparecidos e informações sobre o destino que tiveram.

A aprovação do Programa Nacional de Direitos Humanos me parece ser o estopim que deu origem a tal ode ao conservadorismo de um período obscuro da história brasileira. Bem como a crítica básica e tradicional à atual candidata do PT às eleições presidenciais, pelo fato de ter integrado grupo armado de oposição à Ditadura. Mas esses motivos, independentemente da visão ideológica do estimado leitor, não deveriam determinar uma análise tão equivocada e parcial sobre o passado de nosso país e sobre um Ovril que nada mais é do que um panfleto institucional – que pode se tornar uma fonte histórica importante a depender do trato que o historiador possa dar à mesma.

Assombra-me o nível de conservadorismo do texto, e o fato de quem o produziu tenha ocupado o cargo de Secretário Nacional de Cultura no primeiro governo democraticamente eleito após 1985. Mas pelo menos vivemos em um momento histórico em que existe a possibilidade concreta da troca e da livre exposição de idéias. Com certeza algo que não foi herdado graças à "boa vontade" dos torturadores e censores militares, mas que foi fruto da atuação e das pressões oriundas do povo organizado. Que agradeçamos, nós e o próprio Ipojuca, aos mortos e vítimas do terrorismo de Estado da Ditadura Militar brasileira: eles fizeram valer nossos atuais direitos sociais, políticos e civis.

O texto “Um livro histórico fundamental” pode ser encontrado em:
http://www.wscom.com.br/blog/ipojuca/Um+livro+hist%C3%B3rico+fundamental-35

O “O Livro Negro do Terrorismo no Brasil”, ou Ovril, encontra-se disponível para download em:
http://www.averdadesufocada.com/index.php?option=com_content&task=view&id=737&Itemid=78


Recomendo: use-os com moderação.

sexta-feira, 19 de março de 2010

Um molotov no quengo!


Um espaço de reflexão: essa é a ideia que me motiva. Compartilhar alguns pensamentos da peste, dos mais supérfluos aos melhor elaborados, só para dar vazão às coisas que pipocam na cabeça. Simples assim. Se existem alguns temas que seriam pautas centrais - e elas existem - a serem esmiuçadas nesse lugarzinho, tais temas certamente se diversificarão com o tempo. Pois a caravana não pára, nem pra ver aonde ela vai parar... Educação, o ofício de ensinar, a realidade da educação a partir das vivências minhas e de colegas... a isso deve se somar outras impressões, que espero, tenham um sabor especial que só os melhores coquetéis podem nos presentear - e que sejam, de preferência, belíssimos molotovs virtuais no quengo de quem chegar a lê-las.