domingo, 11 de abril de 2010

Apontamentos sobre a CONAE 2010 e sua etapa municipal em João Pessoa


Ocorreu durante os dias 28 de março e o dia 1º de abril a Conferência Nacional de Educação, ou CONAE 2010. Durante cinco dias diversos delegados de todos os estados da federação estiveram reunidos em Brasília para discutir os rumos da educação brasileira durante os próximos dez anos.

Uma discussão consultiva, importante relembrar. Pois apesar de seus delegados terem sido eleitos a partir de etapas municipais e estaduais, as políticas apontadas na Plenária Final da CONAE não possuem força de lei, mas constituem rico material a ser analisado pelo MEC e pelo Governo Federal na construção de políticas de Estado no setor da educação. A sociedade civil organizada possui, pois, a oportunidade de discutir e deliberar sobre importantes questões em um espaço construído e reconhecido tanto por seus representantes como pelos governos em suas variadas esferas. Mas a disputa política é enorme, pois é de interesse da chamada sociedade política (partidos e governo) aprovar suas próprias concepções, e muitas vezes os delegados escolhidos possuem um grande nível de comprometimento com as gestões governamentais - e ficaria feio na foto para eles, convenhamos, se a maioria das propostas aprovadas em uma conferência como essa fossem contrárias às diretrizes governamentais - por isso os integrantes das gestões procuram sempre obter maioria nas delegações. Isso é natural no modelo de conferências temáticas adotadas pelo Governo Lula, mas é algo que precisa ser bem observado pelos setores da sociedade civil que não se enquadram ou não queiram se enquadrar pela lógica do executivo e das correntes políticas majoritárias.

Papel do Estado na garantia do direito à educação de qualidade, gestão democrática e avaliação, democratização do acesso e permanência na escola, valorização e formação dos trabalhadores em educação, financiamento e controle social, justiça social e inclusão social: esses foram os eixos temáticos que nortearam as discussões nas etapas municipais e estaduais. Tive a oportunidade de participar dos debates na Conferência Municipal de João Pessoa, realizada ainda em 2009, precisamente em uma terça-feira, dia 28 de abril, no CECAPRO (Centro de Capacitação de Professores da PMJP) da Epitácio Pessoa. Infelizmente, em nossa cidade, a conferência foi marcada por uma gigantesca desorganização, que prejudicou o espaço com atrasos e uma convocação feita às pressas, com bem menos que duas semanas de antecedência - o que contribuiu para a desvalorização de um espaço com tanta importância e potencial. A escolha dos delegados foi inclusive postergada para outro momento, para o dia 15 de maio, no auditório do CAM (Centro Administrativo Municipal), por iniciativa dos próprios participantes durante o dia 28/04 que avaliaram a precariedade do espaço e a necessidade de um maior acúmulo nas discussões - o que demonstra bem a forma como a educação pública é costumeiramente tratada: no improviso.

Ainda assim, com todos os percalços de nossa etapa municipal e da falta de representatividade decorrente de sua desorganização e improviso, acredito que a conferência nacional em Brasília tenha sido um espaço legítimo de acúmulo de forças por parte dos movimentos sociais, professores e estudantes. Infelizmente, assim como em João Pessoa, os movimentos sociais e a sociedade civil não tiveram sua voz representada nos espaços de abertura, pois apenas falaram os representantes da SEDEC e vereadores, no caso do município, e do Governo Federal, no caso da CONAE, presentes nas mesas. E em Brasília, o primeiro momento da conferência também foi marcado por uma manifestação de professores, estudantes e funcionários em greve da UNB, lembrando aos delegados participantes a necessidade de uma postura progressista e reivindicatória em suas proposições naquela instância de discussão avalizada pelo Estado.

A questão da constituição de um sistema nacional (articulado) de educação foi o tema principal da conferência, o que é um avanço tremendo em relação à divisão de responsabilidades rasa apontada na LDB de 1996, favorecedora de abstenções das diferentes esferas do executivo, ora na educação básica (fundamental e médio) e infantil, ora no ensino superior. Algumas das deliberações das plenárias da CONAE me chamaram atenção, tais como:

1. O gasto direto da educação em relação ao PIB deverá alcançar, no mínimo, 7% em 2011 e 10% em 2014.

2. Aumento do percentual mínimo de recursos vinculados para a educação. A União vinculará 25% e os Estados e Municípios com 30%. Esta vinculação será de impostos, taxas e contribuições.

3. O ensino superior deve alcançar a meta de 40% de vagas públicas no total das vagas oferecidas, respeitando-se ainda cotas para minorias sociais.

4. Aplicação de verbas públicas somente exclusivamente nas instituições públicas


A maior parte das propostas acima apontadas envolvem questões de financiamento, um problema central em minha opinião. Pois questões de gestão e qualificação profissional apenas podem ser superadas quando, aos profissionais de educação, são garantidos condições materiais e estímulo adequado. Mesmo que a velha afirmação, sobre o problema da educação no Brasil passar pela má remuneração de professores e outros profissionais do setor e pelo sucateamento das instituições e da conseqüente falta de infra-estrutura adequada, tenha se tornado quase um clichê, ela ainda é verdadeira. Os grandes problemas educacionais passam pela valorização de seus profissionais, valorização que estimula a qualificação e dedicação ao ofício por essas pessoas. Pois podemos de fato ver a educação como uma “vocação”, trabalhando com boa vontade e profundo desejo de mudança, mas tem uma hora que a falta de reconhecimento por um trabalho importante e árduo como o de educador cansa, podendo conduzir à frustração e ao desestímulo profissional, ao comodismo.

Enfim, as propostas aprovadas pelos delegados da CONAE 2010 foram boas de forma geral, mas ainda é preciso que nós, que não participamos diretamente de sua etapa principal, nos aprofundemos e conheçamos o conjunto de suas deliberações. E cabe lembrar que nada disso é projeto de lei: são apenas propostas aos vários níveis de governo e chefes de executivo. Mas agora a sociedade civil possui um documento de referência importante, legitimado por ter sido aprovado em um espaço reconhecido pela oficialidade. Vamos ver agora os desdobramentos pós-eleitorais e se tais deliberações se concretizam como políticas de Estado, devendo ser respeitadas por todos os governos até a realização de uma próxima Conferência Nacional.

7 comentários:

  1. Acredito, que mesmo diante de atropelos e algumas manobras de politicagem, a Conferência significa um avanço. Gostei muito do seu texto, vamos ver, mas não esperar ociosos, pelos desdobramentos. Muita coisa há para ser feita.
    Beijos,
    Amor,
    Brígida

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  2. Ótimo texto; espero realmente que o CONAE ganhe força política suficiente para que suas deliberações possam um dia, ser tratadas como projetos de lei, ou no pior das hipóteses, que essas deliberações sensibilizem os governantes para que eles as realizem... 7 % do PIB investido em educação seria algo bonito de ser ver...

    Abraços do seu camarada
    Guto

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  3. Ótimo texto Licio, pena que mais uma vez é sobre as desordem desse Brasil velho...(até quando isso vai durar???)


    Abraçosss


    Jr

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  4. muito bom seu artigo , Licio!
    como tudo, ou quase tudo em nosso país, "falta de representatividade decorrente de sua desorganização"... é isso, mas eu ainda acredito que dá para mudar, vamos começar?
    abraços, mirella guerra

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  5. Ótimo texto; Acredito que o CONAE-2010 significou um avanço, apesar da desordem que prejudicou em parte o andamento das atividades. E espero que as deliberações das plenárias se tornem futuramente um projeto de lei. Caminho longo...
    Abraços,
    Natália Marques

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  6. Pelo que pude captar de vários relatos, o Conae foi um fato histórico, apesar de algumas desavenças, incluindo o boicote (de pouco impacto, é verdade) de setores da "esquerda".
    Porém, há muito o que trilhar para chegarmos a um patamar de qualidade social aceitável.
    Valeu pelo texto, Lício.

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  7. Gostei muito do seu texto Lício. É sempre bom manter aceso em nossos espíritos a chama da esperança que um dia a educação possa se tornar uma política prioritária em nosso país. Acredito que a CONAE possui uma força muito mais reflexiva do que política. Entretanto, espero que, um dia, a ideologia que se encerra nas políticas de educação possam enfraquecer, dando espaço e credibilidade política às reflexões de muitos ao invés de interesses de poucos.
    Continue com os textos!

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